Tocar por tocar



O telefone toca
O coração acelera
A ansiedade domina
Corro para atender
Tento saber quem é
antes de algo ser dito
Desejo ouvir a sua voz

Ouço algo
Me desanimo
Não é você
Tenho que atender
normalmente
Outra pessoa
quer falar comigo
Ela se lembrou de mim!

De tantas que me ligam
A que mais desejo não me liga
Talvez por falta de tempo
Ou, quem sabe, de costume
Mas isso me faz falta

Agora estou aqui
Esperando o telefone tocar
Sei que isso não vai acontecer
Mas o que tem demais acreditar
que talvez hoje seja diferente?

Não quero atender mais o telefone
Pois sempre fico triste
Quando atendo o telefone e percebo
que não é você
E fico mais triste quando desligo
Pois penso que
Se outras pessoas me ligam
Por que ela não me liga?

Já me decidi
Vou continuar esperando
E quem sabe
Esse telefone não vai tocarSomente por tocar


superever

Não me entendo

Eu sei que estou distante,
Que muitas vezes estou ausente.
Mas a todo instante
Penso em você, constantemente.

Eu sumo, desapareço,
Não é que eu queira ser assim.
Pago um alto preço
Quando não a tenho perto de mim.

Eu me cobro e você também
E nos deixamos ser refém
Do meu comportamento, insano.
E o tempo vai passando

Já não mais me reconheço
Mas ainda te agradeço
Por tentar me entender
Apesar de tanto sofrer

Não queria ser assim.
Isso não é parte de mim.
O que é que estou fazendo?
Por mais que pense, não me entendo.

A verdade é que tudo isso
Está acabando com nós dois
E agora que me dei conta disso
Não posso deixar para depois

superever



Vida X Morte



No poema que se tem na sequência, verifica-se que o "eu-lírico" não deseja morte, pelo contrário, pois o que se nota é um forte desejo de aproveitar e usufruir dos prazeres que a vida oferece. Interessante analiser toda a construção da poesia, pois Castro Alves estava condenado a morte vítima de sua saúde debilitada, mas ele lutou muito pela sua vida. Portanto, pode-se traçar um parelelo entre a vida real do autor e a sua obra literária.



MOCIDADE E MORTE
Castro Alves

Oh! eu quero viver, beber perfumes
Na flor silvestre, que embalsama os ares;
Ver minh’alma adejar pelo infinito.
Qual branca vela n’amplidão dos mares.

No seio da mulher há tanto aroma...
Nos seus beijos de fogo há tanta vida...
— Árabe errante, vou dormir à tarde
À sombra fresca da palmeira erguida.

Mas uma voz responde-me sombria:
Terás o sono sob a lájea fria.

Morrer... quando este mundo é um paraíso,
E a alma un cisne de douradas plumas:
Não! o seio da amante é um lago virgem...
Quero boiar à tona das espumas.
Vem! formosa mulher — camélia pálida,
Que banharam de pranto as alvoradas.
Minh’alma é a borboleta, que espaneja
O pó das asas lúcidas, douradas...

E a mesma voz repete-me, terrível,
Com gargalhar sarcástico: — Impossível!

Eu sinto em mim o borbulhar do gênio.
Vejo além um futuro radiante:
— Avante! — brada-me o talento n’alma
E o eco ao longe me repete — Avante! —
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após — um nome do universo n’alma
Um nome escrito no Panteon da história.
E a mesma voz repete funerária:
Teu Panteon — a pedra mortuária!
Morrer — é ver extinto dentre as névoas
O fanal, que nos guia na tormenta:
Condenado — escutar dobres de sino,
— Voz da morte, que a morte lhe lamenta.
—Ai! morrer — é trocar astros por círios,
Leito macio por esquife imundo,
Trocar os beijos da mulher — no visco
Da larva errante no sepulcro fundo.

Ver tudo findo... só na lousa um nome,
Que o viandante a perpassar consome.

E eu sei que vou morrer... dentro em meu peito
Um mal terrível que me devora a vida:
Triste Ahasverus, que no fim da estrada,
Só tem por braços uma cruz erguida.
Sou o cipreste, qu’inda mesmo florido,
Sombra da morte no ramal encerra!
Vivo — que vaga sobre o chão da morte,
Morto — entre os vivos a vagar na terra.

Do sepulcro escutando triste grito,
Sempre, sempre bradando-me: — Maldito! —

E eu morro, ó Deus! Na aurora da existência.
Quando a sede e o desejo em nós palpita...
Levei aos lábios o dourado pomo,
Mordi no fruto podre do Asfaltita.
No triclínio da vida — novo Tântalo —
O vinho do viver ante mim passa...
Sou dos convivas da legenda hebraica,
O estilete de Deus quebra-me a taça.

É que até minha sombra é inexorável,
Morrer! Morrer! soluça-me implacável.

Adeus, pálida amante dos meus sonhos!
Adeus, vida! Adeus, glória! amor! anelos!
Escuta, minha irmã, cuidosa enxuga
Os prantos de meu pai dos teus cabelos.
Fora louco esperar! fria rajada
Sinto que do viver me extingue a lampa...
Resta-me agora por futuro — a terra,
Por glória — nada, por amor — a campa.

Adeus!... Arrasta-me uma voz sombria,
Já me foge a razão na noite fria!...